segunda-feira, 29 de julho de 2013

Na África ou na Diáspora Meio Milênio de Exploração

Na África ou na Diáspora Meio Milênio de Exploração

Desde que se constituiu a sociedade de classes, cuja pilastra central é a propriedade privada, grupos humanos passaram a ser vítimas da escravização e outras formas de exploração por parte de seus semelhantes. A escravidão, segundo Karl Marx, por ser uma categoria econômica existiu em todas as nações desde o começo do mundo. 

Mas é com o Capitalismo, na sua fase de acumulação primitiva, que a lógica eurocêntrica se impõe sobre os demais povos levando continentes inteiros à submissão, em especial o continente Africano. É difícil negar que a preferência por esse continente se dá, essencialmente, pela diferença na cor da pele de seus habitantes, o que possibilitou o apoio da Igreja Medieval que passou a referendar a tese de que o povo negro não seria humano, portanto passivo de ser apropriado e utilizado como mão de obra escrava e, também, como mercadoria. Estava, assim, decretada a condenação do “continente mãe da humanidade” á exclusão de quaisquer planos internacionais de desenvolvimento humano e ao papel de produzir riquezas para o usufruto das nações “civilizadas”. A seus povos, já decretados não gente, brindava-se com o degredo e a suas nações e tribos com a rota do extermínio.

Incrementou-se a Revolução Industrial nos países da Europa e já não era interessante a manutenção da mão de obra escrava nas colônias e países dependentes. Isso não significa, no entanto, que o capital, recém-ingresso em sua fase imperialista, abriria mão da exploração do continente negro e do seu povo, tanto dos que permaneceram no Continente quanto dos que foram jogados na diáspora. A divisão internacional do trabalho (clássica) destinou aos povos negros, nas colônias e semicolônias da África e da América Latina a parte pesada e pouco valorada do trabalho no arranjo econômico internacional. Conforme Márcio Pochman “a dicotomia entre os produtos manufaturados do centro e primário da periferia demarcou a Primeira Divisão Internacional do Trabalho”.

Na segunda Divisão Internacional do Trabalho, após a Segunda Guerra Mundial e já sob o comando dos Estados Unidos da América se mantém a lógica da exploração da periferia pelo centro. Ainda segundo Pochman, agora “numa relação entre produtos de maior e menor valor agregado”. O capital, utilizando-se de todas as suas armas, mantém o mundo dividido entre lugar de mandar e lugar de fazer e, majoritariamente, é neste que estão as populações negras.

Nos anos 1970 o mundo ingressa na era dominada pelas infovias. Conforme o geógrafo Milton Santos, período do “meio tecno-científico informacional”. A divisão da produção passa a ser: a manutenção da produção de bens industriais de alto valor agregado nos países do centro do capital, principalmente, bens relacionados a industria da informação e comunicação, assim como, a destinação de parte da produção de manufatura ás regiões mais pobres desses países e parte a “ilhas temporárias de crescimento econômico” localizadas em países periféricos (países que para isso abrem mão da soberania nacional através de acordos que ampliam a exploração de seus trabalhadores e a perda de capital nacional). O novo modelo ainda gera a ilusão, defendida como verdade absoluta pelos arautos do neoliberalismo, de que no mundo globalizado lugar de mandar e lugar de fazer já não têm território, cor, raça e nação. Pois grandes plantas industriais deslocaram-se para países periféricos. Só que, é preciso observar que há lugar com alto percentual de poder de mandar e outros com alto percentual de dever de fazer.

Nessa atual quadra de agravamento da crise econômica internacional, na qual os países do centro do capitalismo procuram preservar seus lucros e transferir a conta da crise ás nações que se encontram na periferia, ampliam-se as desigualdades sociais afetando, sobremaneira, às camadas mais pobres da sociedade com ênfase às que habitam as regiões mais pobres de cada País. Nos países da América Latina esses são os espaços habitados, em sua maioria, por descendente de negros e índios. Portanto, se faz necessário lutar para que experiências como as que começam a ser implantadas no Brasil, partindo do reconhecimento da imensa dívida social para com os afros-descendentes e indígenas, não retroajam e sirvam de exemplo a ser seguido por todos os países onde esses povos se encontram. Tratar esses povos como iguais não será possível enquanto não for resgatada essa dívida resultante de meio milênio de exploração. Ressalte-se, ainda, que a dívida a ser resgatada, em relação aos afros-descendentes, é de toda a humanidade para com todo o povo negro, na África e na diáspora.

Gerson Pinheiro
Geógrafo pela UFMA e diretor da UNEGRO-MA


quinta-feira, 25 de julho de 2013

PORTAL VERMELHO
24 de Julho de 2013 - 0h00
25 de julho: Dia da Mulher Negra da América Latina e do Caribe
Fatima Oliveira *

Em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana, realizou-se o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, do qual decorreram duas decisões: a criação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas e a definição do 25 de julho como Dia da Mulher Afro-latino-americana e Caribenha.

 A data objetiva ser um polo de aglutinação internacional da resistência das negras à cidadania de segunda categoria na região em que vivem, sob a égide das opressões de gênero e racial-étnica, e assim “ampliar e fortalecer as organizações e a identidade das mulheres negras, construindo estratégias para o enfrentamento do racismo e do sexismo”.

Em 2009, estimava-se que na região (América Latina e Caribe) éramos em torno de 75 milhões de negras – cidadãs despossuídas de cidadania plena, logo faltam esforços no âmbito dos governos para a efetivação dos nossos direitos humanos. Embora partícipes das lutas das mulheres em geral, incluindo as comemorações alusivas ao Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, nós, as negras feministas, sabemos que é preciso uma data toda nossa a partir da compreensão de que não há uma mulher universal. Entre as mulheres há fossos de classe e racial-étnico; e a “sororidade” entre as mulheres é algo que não existe. Então, temos de estar na luta por nossa própria conta.

Abordarei dois tópicos sobre a vida das negras brasileiras. O primeiro é a recente reunião da presidenta Dilma Rousseff, no último dia 19, com representantes de 19 organizações do movimento negro, com a presença dos ministros Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência da República, Aloizio Mercadante, da Educação, Luiza Bairros, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), e do chefe da Assessoria Especial da Secretaria Geral da Presidência da República, Diogo Sant’ana. “De acordo com a ministra Luiza Bairros, foram abordados temas que fazem parte da agenda do movimento, como a reafirmação do compromisso do governo federal para combater a discriminação racial, além de reconhecer o racismo institucional e reforçar o ensino da cultura africana nas escolas para promover a igualdade”.

Se não estou enganada, é a primeira vez que a presidenta nos ouve presencialmente. Pelo que li até agora, considerei a reunião boa, pero... faltou Padilha! E parece que ninguém abriu a boca para falar em saúde da população negra, lacuna grave num momento em que o SUS está envolvido em um debate acirrado. Para o pesquisador Marcelo Paixão, 80% dos negros se internam pelo SUS. Todo mundo reclama que a Rede Cegonha não dá a mínima para o recorte racial/étnico e não há santo que a faça avançar. E perdemos a chance de dizer de viva voz à presidenta que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra está enterrada com uma caveira em algum canto do Ministério da Saúde, um descaso que eu sei que ela não sabe! Elementar: ou manda Padilha transversalizar o recorte racial/étnico em todas as ações da saúde, ou admite a omissão.

Se os compromissos adquirirem logo materialidade, é um bom começo, além do que há algo muito simples que um governo antirracista precisa fazer, que não foi assumido, mas basta vontade política: entender que “Só combater a pobreza é pouco para debelar o racismo” (O TEMPO, 26.4.2011), porque pobreza é uma coisa e racismo é outra; e embora possam estar juntas, possuem dinâmicas diferentes! De modo que urge que o governo Dilma seja mais antirracista em atos.

* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.